Há filmes que relembramos com a mesma nostalgia com que recordamos a beleza das paisagens longínquas da nossa infância, tornada irreversível.
Um desses filmes é “Cinema Paraíso” (1989).
Com argumento e realização de Giuseppe Tornatore, esta obra-prima “constitui um olhar nostálgico sobre a vida de um jovem na Itália do pós-guerra e o seu fascínio pelo cinema. A notícia de que “Alfredo está a morrer” surpreende Salvatore, um conceituado realizador levando-o a relembrar a sua infância e o tempo que passou na sala de projecção do cinema da sua vila, Cinema Paraíso. Alfredo, proprietário do cinema e projeccionista, foi um amigo inseparável do pequeno Salvatore, conhecido por “Toto”, à medida que este crescia na sua terra natal, uma vila devastada pelos horrores da guerra. O cinema oferecia fantasia e evasão aos habitantes da pequena vila, fazendo esquecer a dura realidade da fome e da pobreza” (contracapa do DVD Cinema Paraíso, 2007).
Há, também, filósofos que “pensaram para sempre”, que relembramos e reinterpretamos à luz do tempo presente, como quem ouve uma voz profética tornada realidade. Um desses pensadores é Platão.
Com a Alegoria da caverna, Platão parece pretender ilustrar a condição humana, uma condição análoga à dos prisioneiros que apreendem sombras, tomando o ilusório pela realidade. Com uma função descritiva, a Alegoria tem também um a função apelativa na medida em que constitui um incitamento à procura da verdadeira realidade, que se esconde por detrás das aparências, e do verdadeiro conhecimento.
Pelo crescimento e pelo desenvolvimento intelectual, vamos questionando as crenças e ideias que nos foram transmitidas pelos diversos agentes de socialização. À medida que crescemos, vamos questionando muito do que era inicialmente tido como inquestionável. Por outro lado, as pessoas podem ser controladas e manipuladas com falsidades e demagogias.
A Alegoria da Caverna de Platão e Cinema Paraíso de Giuseppe Tornatore parecem ter muitos pontos de convergência.
Também Cinema Paraíso faz uso da imagem da caverna. Toto cresce, torna-se adulto e independente. Toto conta a história da sua infância e a sua amizade com o projeccionista Alfredo. O local do Cinema pode ser visto como a Caverna de Platão. Nele, os espectadores são seduzidos por opiniões convencionais e comportamentos padronizados que vêem projectados no ecrã. No entanto, Toto começa a fugir deste reduto cultural porque já “virou” as costas ao ecrã e conheceu o projeccionista Alfredo, por detrás das cenas, das sombras. Portanto, a saída da caverna por parte de um dos prisioneiros acontece analogamente em toda a história de Cinema Paraíso. Toto gradualmente sai da vila onde vive e percorre o mundo em busca de educação.