Demócrito, "o filósofo que ri"
Por que motivo se ri, de um modo interminável, Demócrito?
A situação torna-se preocupante.
Estará louco?
O seu riso ameaça a coesão da cidade e perturba a paz coletiva.
Torna-se urgente fazer alguma coisa.
Os habitantes de Abdera chamam ao seu leito o grande médico, Hipócrates.
O filósofo não cessa de rir. Ri de tudo: dos lutos, das desgraças alheias, dos dramas e misérias …
Após longo e detalhado exame, o terapeuta da ilha de Cós conclui o diagnóstico:
“Não é loucura. É o vigor excessivo da alma que se manifesta neste homem”.
Excesso de sabedoria, eis do que padece Demócrito.
Sabedoria que confronta com a ignorância e os preconceitos dos seus concidadãos.
A sua sabedoria fá-lo acreditar na conceção materialista do universo.
Átomos e vazio, eis a essência de tudo quanto existe.
Desta forma, o filósofo opõe-se à hipótese de qualquer realidade transcendente mensageira de um sentido e de um significado para o homem e para este mundo.
Assim, face ao sem-sentido, ao absurdo de um universo e de uma existência humana, ao verdadeiro sábio materialista não resta outra atitude senão desatar a rir, como quem, na presença de uma comédia ou, mesmo, de um drama, ri desalmadamente.
Eis como o riso se vê convertido numa arma, na única via capaz de expurgar a angústia a que os seres humanos estão irremediavelmente condenados num universo absurdo.
É necessário imaginar Sísifo feliz – dirá Camus, anos mais tarde.