Até este ponto, estamos todos de acordo. No entanto, qual o papel da linguagem? Qual o seu estatuto e a sua função?
O senso comum encara realisticamente a linguagem – tal como, de resto, Aristóteles. Encarar realisticamente a linguagem significa defender que, desde que bem utilizada, ela pode espelhar fielmente a realidade – metáfora do espelho. A tradição filosófica encara a anterioridade do pensamento e do conhecimento em relação à linguagem como um dado natural. Além de anteriores, pensamento e conhecimento são – na perspetiva tradicional – independentes em relação à linguagem. Assim sendo, a linguagem tem, segundo esta perspetiva, uma função meramente instrumental: pelas palavras exteriorizamos as ideias previamente conhecidas e pensadas na nossa consciência. As ideias, por sua vez, são a representação, no sujeito, da realidade que está diante dele, da realidade exterior, do objectum.
Este modo tradicional de ver e encarar as relações entre linguagem, pensamento e conhecimento não é, no entanto, consensual. Richard Rorty fala mesmo em “viragem linguística” para caracterizar a recente tendência em considerar o conhecimento e o pensamento dependentes da linguagem. Tal “viragem” coincide com a viragem hermenêutica da filosofia. A corrente hermenêutica da filosofia supera a dicotomia sujeito-objeto e entende o conhecimento como um processo de interpretação, tendendo a sobrepor o conhecimento por apresentação ao conhecimento por representação e a sobrepor a “verdade” como manifestação à “verdade” como adequação.
Nesta nova perspetiva, a linguagem não se limita a ser uma mera cópia ou reflexo da realidade. A linguagem constrói fenomenicamente a realidade.