“O papalagui (1) não pára de pensar. (…) Mas também ele próprio é objecto dos seus pensamentos (…). O papalagui pensa tanto, que o acto de pensar se tornou um hábito, uma necessidade, e até mesmo uma coacção. Vê-se obrigado a pensar continuamente. Só muito a custo consegue não fazê-lo e deixar viver todas as partes do seu corpo ao mesmo tempo. Na maior parte do tempo vive apenas com a cabeça, enquanto os sentidos dormem um profundo sono. Muito embora isso o não impeça de andar normalmente, de falar, de comer e de rir, permanece fechado na prisão dos seus pensamentos – os quais são os frutos da reflexão. Deixa-se, por assim dizer, embriagar pelos seus próprios pensamentos. Quando brilha um belo sol, logo ele pensa: “Que belo sol que está agora!” E continua a pensar, sempre a pensar: “Mas que belo sol!” Ora, isso é falso, absolutamente falso, é uma aberração, pois quando o sol brilha, vale mais não pensar em nada. Qualquer Samoano sensato irá estender e aquecer o seu corpo ao sol, sem reflexões. E goza do sol não só com a cabeça, mas também com as mãos, com os pés, com as coxas, com o ventre, em resumo, com o corpo todo.”
(1) O Branco, o Senhor.
O Papalagui, Antígona
(Re)ler: Há Metafísica Bastante em não Pensar em Nada