(Descartes)
Um dos nossos leitores, AbC, comentou o recente post alusivo ao tema O Que é o Conhecimento? no qual se defende a tese inicial de que o nosso conhecimento básico do mundo nos chega através dos 5 sentidos. No comentário, o leitor contra-argumenta referindo que as pessoas incapacitadas de ver, tocar, ouvir, cheirar e falar também devem possuir alguma forma de conhecimento:
"5 sentidos ? Pessoas incapacitadas de ver, tocar, ouvir, cheirar, falar ... não possuem conhecimento básico do mundo exterior?"
Trata-se, em nosso entender, de uma questão pertinente e que se enquadra, na perfeição, no âmbito da problemática gnosiológica. Claro que se alguém perde, por exemplo, a visão, desenvolve outros sentidos como a audição e o tacto e, deste modo, compensa e reequilibra a perda inicial. Parece extrema, embora não impossível, a possibilidade de alguém perder a totalidade dos sentidos. Convirá esclarecer que a tese segundo a qual o conhecimento tem origem nos sentidos ou na experiência é a tese empirista de J. Locke e de David Hume para quem a mente humana é comparável, à nascença, a uma folha em branco na qual nada está escrito (white paper) e a ideia parece não repugnar ao senso comum. Poderíamos mesmo defender que os sentidos estão para o ser humano como as janelas e as portas estão para uma casa. Eles constituem o input, a entrada. J. Locke distingue entre experiência externa, para se referir à sensação propriamente dita e experiência interna, para se referir às operações do espírito. Claro que a tese empirista constitui uma resposta radical ao problema da origem do conhecimento e encontra no racionalismo a sua antítese, nomeadamente no racionalismo cartesiano. Ora, o racionalismo, por oposição à teoria da tábua rasa, faz a apologia das ideias inatas, aquelas "sementes de verdade" com que somos dotados à nascença. O "penso, logo existo" de Descartes enquadra-se neste contexto. O trajecto intelectual deste autor dirige-se da pura interioridade, do pensamento ou cogito, para a exterioridade. Segundo ele, o dado absolutamente indubitável é a auto-consciência, entendida como sujeito que existe porque pensa e enquanto pensamento. Descartes crê ter encontrado, no seu interior mais profundo e radical, o ponto de partida para edificação do conhecimento do mundo, abdicando, deste modo, de todos os dados exteriores provenientes dos sentidos. Trata-se de mais um contributo para o problema da origem do conhecimento, embora, também ele, radical.