Narciso foi, segundo a mitologia grega, um personagem célebre pela sua beleza física. Jovem amado por muitas jovens e muitos jovens; no entanto, o seu inflexível desdém levou-o a repeli-los a todos. A Ninfa Eco também se apaixonou por ele, mas ele teria preferido a morte ao seu abraço. Uma das vítimas do seu desprezo gritou: “Que ele ame assim, por sua vez, e não possa possuir o objeto do seu amor!”. Certo dia, quando regressava da caça, Narciso passou junto a uma fonte límpida que nunca ninguém tinha perturbado. Como queria apaziguar a sede, debruçou-se, viu a sua própria imagem refletida, e caiu em êxtase; desejou-se a si próprio sem o saber, e foi em vão que tentou agarrar esta imagem na água. Desesperado por não poder apoderar-se desse outro, que não era senão ele próprio, definhou e morreu. Foi transformado em flor, símbolo da morte prematura.
Que sageza nos transmite este mito? Nos dias correntes, a obsessão com o “eu”, como atesta a moda das selfies, revela-nos que o amor-próprio constitui uma parte necessária e saudável da nossa vida, mas também sugere que perdemos a capacidade de distinguir entre as boas e as más formas de amor-próprio, como defende Simon Blackburn (Vaidade e Ganância No Século XXI): “Narciso poderia recordar-nos os enxames de egoístas que infestam os locais de interesse, as galerias de arte, os concertos, os espaços públicos, e o ciberespaço. Para essas pessoas, o objetivo de cada momento é em primeiro lugar registarmo-nos como tendo estado ali, e, em segundo lugar, transmitir o resultado para o máximo de gente possível no resto do mundo. O smartphone é a maldição do espaço público enquanto as pessoa continuam a clicar com a lente apontada principalmente para si mesmas e apenas secundariamente para aquilo que as rodeia”.