Como refere Guy Haarscher (Guy HAARSCHER, Dictionnaire de Philosophie Politique, artigo “Droits de L´Homme”, PUF), “não temos direito a nada na solidão”.
Por isso, a problemática do direito em geral, e dos direitos humanos em particular, decorre da natureza essencialmente social do homem. A ideia do homem enquanto indivíduo isolado da sociedade constitui mera abstração, sem correspondência à realidade humana concreta – como defendem, de resto, os pensadores denominados “comunitaristas”, de entre os quais se destacam Michael Sandel, Michael Walzer e Charles Taylor.
Ora, da dimensão social do homem decorre a ideia de que um direito é sempre, por necessidade, oposto a alguém que é obrigado a respeitar, sob pena de sanção.
Os direitos humanos são considerados essenciais à realização de uma vida digna, sem os quais não poderíamos viver uma vida plenamente humana. Os direitos humanos não dependem, por isso, das circunstâncias, contrariamente a outros tipos de direitos. Em virtude de serem considerados “naturais”, o Estado deverá ter a seu cargo a sua salvaguarda.
Neste sentido, os direitos humanos estão essencialmente ligados à Filosofia Política. Se são considerados essenciais, estes direitos deverão ser públicos e sancionados pela autoridade política.
Neste ponto, surge um paradoxo: o Estado será, ao mesmo tempo, juiz e réu, instância que sanciona e potencial sancionado. Por esse motivo, os defensores do princípio da separação de poderes no seio do Estado defendem que o poder judicial deverá ser independente dos outros tipos de poder.
Como se pode constatar, a afirmação de direitos do homem implica uma certa forma de Estado, capaz de os defender e respeitar.
Consideram-se, atualmente, duas funções aos direitos humanos:
- A relativização do conceito moderno de soberania dos Estados;
- A legitimação de uma ordem internacional.
Na sequência das referidas teorias funcionalistas dos Direitos Humanos, emerge uma questão: como definir Direitos do Homem?
Guy Haarscher (A Filosofia dos Direitos do Homem, Instituto Piaget) fornece, provisoriamente, uma definição:
“Trata-se de prerrogativas concedidas ao indivíduo, tidas por de tal modo essenciais que toda a autoridade política teria a obrigação de garantir o seu respeito; os direitos do homem constituem as proteções mínimas que permitem ao indivíduo viver uma vida digna desse nome, defendido das usurpações do arbítrio estatal ou outro; são por conseguinte uma espécie de espaço sagrado, intransponível, traçam à volta do indivíduo uma esfera privada e inviolável”.
Conceber assim os Direitos Humanos pressagia uma dificuldade à filosofia política no que concerne às relações entre Estado e Indivíduo.
Por um lado, os direitos humanos definem uma limitação dos poderes do Estado, como é visível na “primeira geração” de direitos. Com efeito, o espaço privado do indivíduo surge como dirigido contra o Estado. Esta forma de conceber os direitos humanos tem a sua matriz nos ideais do liberalismo. O liberalismo, de que Locke foi um dos primeiros representantes, faz do sujeito individual um sujeito dotado de direitos inalienáveis, a fonte e o centro das relações sociais. É, aliás, no contexto da dimensão de privacidade da religião que surge a primeira geração de Direitos Humanos, enquanto “direitos negativos”. Assim, o Estado deverá abster-se de regulamentar a sociedade civil, ou seja, o domínio da vida privada, decorrendo daqui a liberdade de consciência e o princípio da Tolerância.
Por outro lado, o espaço privado do indivíduo implica exatamente o contrário, ou seja, um apelo ao Estado, dado que os direitos do homem devem valer também contra os outro membros da sociedade e para isso é necessário que o indivíduo possa apelar à sanção estatal. O que sucede com a segunda geração de direitos humanos, contrariamente à primeira geração, no lugar de se reclamar uma não intervenção do estado, pede-se a sua intervenção; no lugar de uma abstenção, exige-se uma prestação. Exige-se ao Estado o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à segurança social. Neste sentido, exige-se do Estado a construção de hospitais, de escolas e professores remunerados pela coletividade e exige-se a intervenção do Estado na vida económica.