Este pretende ser um "espaço" público de partilha de ideias, um espaço de comunicação...

22
Fev 15
 

     

           Narciso foi, segundo a mitologia grega, um personagem célebre pela sua beleza física. Jovem amado por muitas jovens e muitos jovens; no entanto, o seu inflexível desdém levou-o a repeli-los a todos. A Ninfa Eco também se apaixonou por ele, mas ele teria preferido a morte ao seu abraço. Uma das vítimas do seu desprezo gritou: “Que ele ame assim, por sua vez, e não possa possuir o objeto do seu amor!”. Certo dia, quando regressava da caça, Narciso passou junto a uma fonte límpida que nunca ninguém tinha perturbado. Como queria apaziguar a sede, debruçou-se, viu a sua própria imagem refletida, e caiu em êxtase; desejou-se a si próprio sem o saber, e foi em vão que tentou agarrar esta imagem na água. Desesperado por não poder apoderar-se desse outro, que não era senão ele próprio, definhou e morreu. Foi transformado em flor, símbolo da morte prematura.

                Que sageza nos transmite este mito? Nos dias correntes, a obsessão com o “eu”, como atesta a moda das selfies, revela-nos que o amor-próprio constitui uma parte necessária e saudável da nossa vida, mas também sugere que perdemos a capacidade de distinguir entre as boas e as más formas de amor-próprio, como defende Simon Blackburn (Vaidade e Ganância No Século XXI): “Narciso poderia recordar-nos os enxames de egoístas que infestam os locais de interesse, as galerias de arte, os concertos, os espaços públicos, e o ciberespaço. Para essas pessoas, o objetivo de cada momento é em primeiro lugar registarmo-nos como tendo estado ali, e, em segundo lugar, transmitir o resultado para o máximo de gente possível no resto do mundo. O smartphone é a maldição do espaço público enquanto as pessoa continuam a clicar com a lente apontada principalmente para si mesmas e apenas secundariamente para aquilo que as rodeia”.

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 23:26

09
Fev 15

 

Como refere Guy Haarscher (Guy HAARSCHER, Dictionnaire de Philosophie Politique, artigo “Droits de L´Homme”, PUF), “não temos direito a nada na solidão”.

            Por isso, a problemática do direito em geral, e dos direitos humanos em particular, decorre da natureza essencialmente social do homem. A ideia do homem enquanto indivíduo isolado da sociedade constitui mera abstração, sem correspondência à realidade humana concreta – como defendem, de resto, os pensadores denominados “comunitaristas”, de entre os quais se destacam Michael Sandel, Michael Walzer e Charles Taylor.

            Ora, da dimensão social do homem decorre a ideia de que um direito é sempre, por necessidade, oposto a alguém que é obrigado a respeitar, sob pena de sanção.

            Os direitos humanos são considerados essenciais à realização de uma vida digna, sem os quais não poderíamos viver uma vida plenamente humana. Os direitos humanos não dependem, por isso, das circunstâncias, contrariamente a outros tipos de direitos. Em virtude de serem considerados “naturais”, o Estado deverá ter a seu cargo a sua salvaguarda.

            Neste sentido, os direitos humanos estão essencialmente ligados à Filosofia Política. Se são considerados essenciais, estes direitos deverão ser públicos e sancionados pela autoridade política.

            Neste ponto, surge um paradoxo: o Estado será, ao mesmo tempo, juiz e réu, instância que sanciona e potencial sancionado. Por esse motivo, os defensores do princípio da separação de poderes no seio do Estado defendem que o poder judicial deverá ser independente dos outros tipos de poder.

            Como se pode constatar, a afirmação de direitos do homem implica uma certa forma de Estado, capaz de os defender e respeitar.

            Consideram-se, atualmente, duas funções aos direitos humanos:

  1. A relativização do conceito moderno de soberania dos Estados;
  2. A legitimação de uma ordem internacional.

            Na sequência das referidas teorias funcionalistas dos Direitos Humanos, emerge uma questão: como definir Direitos do Homem?

            Guy Haarscher (A Filosofia dos Direitos do Homem, Instituto Piaget) fornece, provisoriamente, uma definição:

            “Trata-se de prerrogativas concedidas ao indivíduo, tidas por de tal modo essenciais que toda a autoridade política teria a obrigação de garantir o seu respeito; os direitos do homem constituem as proteções mínimas que permitem ao indivíduo viver uma vida digna desse nome, defendido das usurpações do arbítrio estatal ou outro; são por conseguinte uma espécie de espaço sagrado, intransponível, traçam à volta do indivíduo uma esfera privada e inviolável”.

            Conceber assim os Direitos Humanos pressagia uma dificuldade à filosofia política no que concerne às relações entre Estado e Indivíduo.

            Por um lado, os direitos humanos definem uma limitação dos poderes do Estado, como é visível na “primeira geração” de direitos. Com efeito, o espaço privado do indivíduo surge como dirigido contra o Estado. Esta forma de conceber os direitos humanos tem a sua matriz nos ideais do liberalismo. O liberalismo, de que Locke foi um dos primeiros representantes, faz do sujeito individual um sujeito dotado de direitos inalienáveis, a fonte e o centro das relações sociais. É, aliás, no contexto da dimensão de privacidade da religião que surge a primeira geração de Direitos Humanos, enquanto “direitos negativos”. Assim, o Estado deverá abster-se de regulamentar a sociedade civil, ou seja, o domínio da vida privada, decorrendo daqui a liberdade de consciência e o princípio da Tolerância.

            Por outro lado, o espaço privado do indivíduo implica exatamente o contrário, ou seja, um apelo ao Estado, dado que os direitos do homem devem valer também contra os outro membros da sociedade e para isso é necessário que o indivíduo possa apelar à sanção estatal. O que sucede com a segunda geração de direitos humanos, contrariamente à primeira geração, no lugar de se reclamar uma não intervenção do estado, pede-se a sua intervenção; no lugar de uma abstenção, exige-se uma prestação. Exige-se ao Estado o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à segurança social. Neste sentido, exige-se do Estado a construção de hospitais, de escolas e professores remunerados pela coletividade e exige-se a intervenção do Estado na vida económica.

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 11:19

01
Fev 15

O tema dos “Direitos Humanos” aparenta ser, numa primeira abordagem, um tema pacífico, incontroverso e, por isso, gerador de amplos consensos. Porém, um olhar mais atento da questão parece pôr em causa essa visão. A começar pelos alicerces que sustentam o edifício dos direitos humanos, cuja matriz, como é sabido, é o pensamento liberal. Este estabelece como base para a definição de direitos humanos uma conceção individualista da pessoa humana e define uma limitação dos poderes do Estado. Portanto, os direitos do homem assentam fundamentalmente numa conceção individualista da pessoa e universalista da dignidade humana. Porém, esta conceção individualista do ser humano ignora e desvaloriza que é através da socialização dos seus laços de pertença comunitária que as pessoas adquirem a sua identidade e que os indivíduos não existem enquanto tal, ou pelo menos não podemos dar sentido à sua existência autónoma se não os encararmos no seio das suas relações e interações sociais e culturais. Perante o fenómeno crescente da multiculturalidade no mundo atual, antevê-se, na interpretação dos direitos humanos, bem como na sua aplicação, uma tensão essencial entre, por um lado, o individual e o coletivo, o universalismo e o particularismo e, por outro, entre a igualdade e a diferença. A resposta a estas tensões e antinomias não deverá ser a opção por um dos respetivos polos da antinomia porque ao seguir o caminho do universalismo, está a ser promovida, por esta via, a homogeneização cultural, omitindo, “colonizando” e violentando a alteridade, o diferente – tendência de toda a tradição filosófica e intelectual do Ocidente, de que a filosofia de Hegel é, segundo Emanuel Levinas (Totalidade e Infinito), a expressão máxima. Em contrapartida, optando pelo coletivo e pelo particularismo, somos conduzidos ao relativismo, ao “entrincheiramento” de identidades culturais e, possivelmente, ao “racismo cultural”. A solução passará, pois, por uma terceira via, a única que se afigura plausível, a via do diálogo intercultural gerador de um “universalismo sem uniformidade”, de um universalismo “plural” e que saiba ver a igualdade e a diferença, não em termos alternativos e excludentes, mas a partir de princípio da complementaridade. Esta terceira via assenta numa noção dinâmica, por oposição a uma noção fixista, do conceito de cultura, que melhor traduzirá a nossa condição de seres “mestiços”, de seres “mulatos”, não de raças mas de existências.

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 20:40

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