Uma das questões mais radicais – no sentido de procurar os fundamentos últimos – consiste em perguntar “O que é o Homem”.
Kant considera que todas as questões convergem para ela.
Na tentativa de responder à questão, o pensamento enveredou, frequentemente, pelo dualismo.
Este dualismo exprime uma tensão vivida.
Anselmo Borges afirma o seguinte, a este propósito:
“eu sou um corpo que diz eu, mas ao mesmo tempo penso-me como tendo um corpo, pois o eu fontal parece não identificar-se com o corpo.
É como se houvesse no homem um excesso face ao corpo, experienciado, por exemplo, na possibilidade do suicídio: eu posso matar-me.
Ao contrário da morte do corpo (…) eu morrer é incompreensível e, em última análise, impensável”.
Também a literatura aborda a questão.
Vergílio Ferreira, em Pensar, afirma o seguinte:
“Um corpo e o que em obra superior ele produz. Como é fascinante pensá-lo. Um novelo de tripas, de sebo, de matéria viscosa e repelente, um incansável produtor de lixo. Uma podridão insofrida, impaciente de se manifestar, de rebentar o que a trava, sustida a custo a toda a hora para a decência do convívio, um equilíbrio difícil em dois pés precários, uma latrina ambulante, um saco de esterco. E simultaneamente, na visibilidade disso, a harmonia de uma face, a sua possível beleza e sobretudo o prodígio de uma palavra, uma ideia, um gesto, uma obra de arte. Construir o máximo da sublimidade sob o mais baixo e vil e asqueroso. Um homem. dá vontade de chorar. De alegria, de ternura, de compaixão. Dá vontade de enlouquecer”.