Este pretende ser um "espaço" público de partilha de ideias, um espaço de comunicação...

29
Mar 14

                Amor e Morte, que relação?

                Na nossa cultura herdeira, de resto, do platonismo e do cristianismo, o amor anda associado à imortalidade e à superação do efémero. Neste ponto, o amor distingue-se quer da morte quer do desejo erótico e do carpe diem que caracterizam o estádio estético da existência, como notou Soren Kierkegaard. Apercebendo-se da brevidade do prazer carnal, D. Juan sente-se compelido a dar o “salto” para um outro estádio existencial, o estádio ético, deixando para trás o celibato e as aventuras sexuais, na convicção de ver, assim, ultrapassadas a vida leviana de prazer, vivida num presente à superfície de si mesmo, e o medo e a angústia de perder o deleite fugaz.

                 A Morte, como entendê-la?

                François Mitterrand, no prefácio a Diálogo Com a Morte (Marie Hennezel, Casa das Letras), afirma que “vivemos num mundo aterrado por esta interrogação, e que lhe vira as costas. Houve, antes da nossa, civilizações que encaravam a morte de frente”, para, de seguida concluir: “talvez que nunca a relação coma morte tenha sido tão pobre como nestes tempos de aridez espiritual, em que os homens, na pressa de existir, parecem sofismar o mistério.”

                Na mesma linha de pensamento, Michel Foucault desenvolve em Des Espaces Autres,  o conceito de heterotopia.

                Por oposição às u-topias, “as heterotopias são lugares que estão fora de todos os lugares, mas que no entanto são localizáveis” (Filomena Silvano, Antopologia do Espaço, Assírio e Alvim).

                Foucault constata a universalidade das heterotopias, exemplificando com as sociedades ditas primitivas, possuidoras de heterotopias de crise. Nestas sociedades as mulheres menstruadas ou em parto, os velhos ou outros, situam-se em lugares reservados e interditos, por se encontrarem em estado de crise. Defendendo a ideia segundo a qual as heterotopias de crise têm desaparecido na nossa sociedade, Foucault considera, no entanto, que ainda aparecem lugares que manifestam as suas características, como por exemplo, o colégio, o serviço militar ou ainda os hotéis das viagens de núpcias.

                Entretanto, as heterotopias de crise foram sendo substituídas pelas heterotopias de desvio, que constituem os lugares onde hoje se colocam os indivíduos com um comportamento considerado socialmente a-normal: hospitais psiquiátricos, prisões, lares da terceira idade.

                Este último exemplo parece ser elucidativo do modo como as nossas sociedades encaram a velhice e, enfim, a morte.

                Com efeito, até ao fim do século XVIII, o cemitério situava-se no coração das povoações, ao lado da igreja, ou mesmo no seu interior. Em certo sentido, bem se pode dizer que se encarava a morte de frente, como refere Mitterrand no prefácio da obra citada.

                Porém, a partir do século XIX, o cemitério sai da cidade, ocupando espaços periféricos. Com a denominada dessacralização da sociedade, o cemitério deixa de constituir o “vento sagrado e imortal da cidade” para dar forma a uma “outra cidade”, exterior.

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 22:54

21
Mar 14

    RODIN, O Beijo

            É incontornável a influência que Platão exerceu nos valores e no panorama intelectual do ocidente ao ponto de Alfred North Whitehead ter considerado que “Toda a filosofia ocidental não passa de notas de rodapé das páginas de Platão”.

            Uma dessas influências é visível na forma atual de conceber o amor.

            Como é referido por Simon May (O Amor, das Escrituras aos Nossos Dias, Bizâncio), “a conceção (platónica) da ascensão do amor físico ao divino formou a história do amor ocidental”.

            Em primeiro lugar, a sua conceção do amor contribuiu para “criar a base para fazer do amor o caminho para o valor supremo, para as benesses da mais alta beleza e bondade (…), para o que é puro e eterno”, visível na forma como o Cristianismo faz do amor o valor supremo do mundo Ocidental.

            O enfoque de Platão na dimensão espiritual do amor é correlativo da sua desvalorização do Mundo Sensível, um mundo de sombras, povoado por almas encarceradas em corpos mortais. Por isso “filosofar é aprender a morrer”, como afiança o filósofo (Fédon). Também é correlativo do seu desprezo atribuído ao corpo e aos sentidos, enquanto fonte de conhecimento erróneo e ilusório. Uma das poucas utilidades dos sentidos é, na perspetiva do filósofo, servirem de estímulo à evocação das Ideias outrora contempladas no Mundo Inteligível.

            A desvalorização da vida terrena e corpórea – por parte do cristianismo e da filosofia platónica – será alvo de incisiva crítica encetada por Nietzsche (A Origem da Tragédia).

            Por outro lado, a conceção platónica do amor traduz-se na ideia de que “o desejo sexual pode estar no início do caminho para o amor mais elevado, mas não é com ele que tem a ver o amor mais elevado”. Assim, o sexo é um meio mas não é o fim.

            Por fim, “a terceira ideia platónica que ainda temos é a ligação entre amor e imortalidade”. O amor será, nesta perspetiva, “o passaporte para a imutável essência da beleza e da bondade. Será, enfim, superação do efémero e do sofrimento, do acaso e do mal.

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 00:45

09
Mar 14

Falemos, um pouco que seja, de Amor.

Falar de Amor, porém, é como falar das Cores. Tem diferentes matizes.

Os clássicos conheciam-lhe as cambiantes, tendo, inequivocamente, traçado o território e as respetivas fronteiras das relações afetivas.

Nesse sentido, distinguiam Philía,  Eros e Agápe.

O primeiro termo fazia referência a uma relação baseada fundamentalmente na amizade, na estima recíproca e na partilha de valores e de objetivos comuns; Eros conotava a paixão amorosa, o desejo e, por fim, Agápe conotava a amizade paternal, a “caridade”.

Um dos mais belos discursos sobre o amor foi, sem dúvida, elaborado por Platão.

Na sua obra consagrada ao tema – Banquete (ou Symposium, termo que significa literalmente “beber juntos”) – as ideias sobre o amor são articuladas por diversos participantes.

Um simpósio era um jantar de festa da alta sociedade em que a refeição era acompanhada por grande quantidade de álcool e em que os convidados, todos eles homens, eram servidos por escravos e entretidos por raparigas tocando flauta e que também estavam disponíveis para o sexo.

 

Simon May sintetiza as ideias sobre o amor apresentadas no Banquete de Platão:

  1. O amor torna-nos completos como indivíduos. Não serei eu próprio sem a minha outra metade;
  2. O amor é suscitado pela beleza e pela bondade. Posso admirar ou apreciar o que não acho belo, mas não posso amá-lo;
  3. O amor permite-nos ir além de uma relação superficial com as coisas e chegar ao que é absolutamente valioso nelas;
  4. O amor realça o melhor de nós como amantes – acima de tudo, virtude e sabedoria. Embora comece com a atração sexual, o amor supremo permite-nos dar á luz o que é mais nobre em nós – a verdadeira virtude.

(MAY, Simon, O Amor, Das Escrituras aos Nossos Dias, Bizâncio, pp 66-67)

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 20:01

05
Mar 14

No próximo dia 15 de março de 2014 decorrerá, no bonito palco de Conímbriga, Condeixa-a-Velha (Auditório do Museu Monográfico), o 28.º Encontro de Filosofia, subordinado ao tema “Filosofia, Crise e Futuro”.

 

 Programa e Ficha de Inscrição

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 20:51

02
Mar 14

Uma das questões mais radicais – no sentido de procurar os fundamentos últimos – consiste em perguntar “O que é o Homem”.

Kant considera que todas as questões convergem para ela.

Na tentativa de responder à questão, o pensamento enveredou, frequentemente, pelo dualismo.

Este dualismo exprime uma tensão vivida.

Anselmo Borges afirma o seguinte, a este propósito:

“eu sou um corpo que diz eu, mas ao mesmo tempo penso-me como tendo um corpo, pois o eu fontal parece não identificar-se com o corpo.

É como se houvesse no homem um excesso face ao corpo, experienciado, por exemplo, na possibilidade do suicídio: eu posso matar-me.

Ao contrário da morte do corpo (…) eu morrer é incompreensível e, em última análise, impensável”.

Também a literatura aborda a questão.

Vergílio Ferreira, em Pensar, afirma o seguinte:

“Um corpo e o que em obra superior ele produz. Como é fascinante pensá-lo. Um novelo de tripas, de sebo, de matéria viscosa e repelente, um incansável produtor de lixo. Uma podridão insofrida, impaciente de se manifestar, de rebentar o que a trava, sustida a custo a toda a hora para a decência do convívio, um equilíbrio difícil em dois pés precários, uma latrina ambulante, um saco de esterco. E simultaneamente, na visibilidade disso, a harmonia de uma face, a sua possível beleza e sobretudo o prodígio de uma palavra, uma ideia, um gesto, uma obra de arte. Construir o máximo da sublimidade sob o mais baixo e vil e asqueroso. Um homem. dá vontade de chorar. De alegria, de ternura, de compaixão. Dá vontade de enlouquecer”.

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 14:33

Março 2014
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
12
13
14
15

16
17
18
19
20
22

23
24
25
26
27
28

30
31


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

subscrever feeds
Filosofia
mais sobre mim
pesquisar
 
blogs SAPO