Este pretende ser um "espaço" público de partilha de ideias, um espaço de comunicação...

24
Nov 13

Giges e Candaules: a beleza da rainha, de Jean-Leon Gerome

 

É na senda de uma resposta à questão “Por que havemos de ser morais?” que Platão, no Livro II da “República”, coloca na boca de Gláucon, um dos interlocutores, as seguintes palavras formuladas em forma de conclusão:  

 

“E disto se poderá afirmar que é uma grande prova de que ninguém é justo por sua vontade, mas constrangido, por entender que a justiça não é um bem para si, individualmente, uma vez que, quando cada um julga que lhe é possível cometer injustiças, comete-as. Efectivamente, todos os homens acreditam que lhes é muito mais vantajosa, individualmente, a injustiça do que a justiça.”

 

Na opinião de Gláucon, todos nos comportaríamos como Giges se pudéssemos escapar impunemente.

 

Giges  “era um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia. Devido a uma grande tempestade e tremor de terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho. Admirado ao ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras maravilhas que para aí fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas, espreitando através das quais viu lá dentro um cadáver, aparentemente maior do que um homem, e que não tinha mais nada senão um anel de ouro na mão. Arrancou-lho e saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunido, da maneira habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, o que dizia respeito aos rebanhos, Giges foi lá também, com o seu anel. Estando ele, pois, sentado no meio dos outros, deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro, em direcção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado, os quais falavam dele como se se tivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e virou para fora o engaste. Assim que o fez, tornou-se visível. Tendo observado estes factos, experimentou, a ver se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; se o voltasse para fora, ficava visível. Assim senhor de si, logo tratou de ser um dos delegados que iam junto do rei. Uma vez lá chegado, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o e matou-o, e assim se assenhoreou do poder.”       República. Lisboa: Gulbenkian, 4ª ed., 1983, pp. 55-60.

 

Giges, sob o “escudo” da invisibilidade, deixou de orientar as suas acções pela “bússola” dos valores.

Uma vez removidas a possibilidade de ser descoberto e, consequentemente, punido, passa a desempenhar o papel de um vilão.

Haverá, afinal de contas, algum mal nisso?

Por que razão havemos de ser morais, sobretudo se o comportamento imoral pode ser vantajoso para o agente?

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 23:04

15
Nov 13

 

Janela Indiscreta, imagem do filme de Alfred Hitchcock

 

Por que havemos de ser morais?

Uma das possíveis respostas para a questão apresentada é a crença religiosa num ser transcendente, Deus. Afinal, “Se Deus não existe, tudo é permitido!”, como asseverava Dostoiévsky em Os Irmãos Karamazov. Da existência de Deus à legitimação teológica da moral decorre um pequeno passo. O reconhecimento social do que é correto ou incorreto, justo ou injusto, bem ou mal, procede, nesta perspetiva, da crença na autoridade da vontade de um ser sobrenatural. Para os crentes, Deus assemelha-se ao Big Brother que, através do Seu olhar omnipotente omnipresente e omnisciente, tudo observa a todo o momento e em qualquer local. Nem um hipotético ser invisível consegue furtar-se ao “olhar” divino e, como tal, permanece sujeito à retribuição divina.

Quando Dostoiévsky argumenta: “Se Deus não existe, tudo é permitido. Ora, nem tudo é permitido, e, por isso, Deus existe”, a sua conclusão é válida do ponto de vista lógico-formal. Cometeria a falácia da negação do antecedente ao deduzir da “Existência de Deus” que “Nem tudo é permitido”.

Apesar de tudo, a premissa maior “Se Deus não existe, tudo é permitido!” é refutável. Trata-se, pois, de uma premissa meramente provável, discutível e que conduz a conclusões que, embora legítimas em termos formais, são discutíveis no que se refere ao seu conteúdo material.

Encontramo-nos, por isso, no domínio da retórica e da argumentação.

Para muitos, como os existencialistas da corrente ateísta, inversamente a Dostoiévsky, afirmam perentoriamente que Deus não existe e, por isso, tudo é permitido. "Estamos sós e sem desculpas, condenados a ser livres" (Sartre).

Assim sendo, a pergunta persiste: por que razão havemos de ser morais?

Ainda que sem Deus, estaremos na realidade sós?

Será o olhar do “outro” o guardião dos atos socialmente aceites? Se o “outro” não existisse ou se, existindo, tivéssemos a propriedade da invisibilidade? Continuaríamos a ser agentes dotados de consciência moral? Qual, afinal, a natureza da consciência moral? Prevalecem nela elementos racionais, afetivos ou sociais? Neste último caso, pode ainda problematizar-se se “a consciência é os outros no fundo de nós” ou se é apenas, de uma forma simplista, “a voz da vizinha”.

Na vida real, como na Janela Indiscreta de Alfred Hitchcock, pode sempre haver um "fotógrafo profissional" confinado ao seu apartamento que, por qualquer motivo, vasculha a vida dos seus vizinhos com uma lente teleobjetiva.

Porém, tal suposição será suficiente para fundamentar a moralidade?

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 18:49

10
Nov 13

Dilema=argumento de dois gumes (sylogismus cornutus)

 

A revista The Reader's Digest quis avaliar a honestidade dos habitantes de várias cidades do mundo. Para o efeito, foram deliberadamente lançadas para o chão doze carteiras com o intuito de observar a reação dos transeuntes. A capital portuguesa foi a cidade menos honesta: das 12 carteiras "perdidas", só uma foi devolvida, por um turista do Norte da Europa!

O estudo incide sobre a questão da moralidade. Afinal, por que razão havemos de ser morais? Por que razão devem as pessoas devolver – ou não – as carteiras aos respetivos proprietários?

Muitos consideram a religião o fundamento da moralidade. Sustentam que devemos ser morais porque, caso contrário, poderemos ser severamente punidos por Deus, um Ser omnipotente e omnisciente.

Uma moral assim concebida caracteriza-se pela heteronomia, dado que os alicerces que a sustentam têm uma origem externa ao indivíduo e à sua racionalidade.

Porém, esta perspetiva não deixa de suscitar problemas de difícil solução.

Um desses problemas pode ser formulado da seguinte forma: uma ação é boa porque Deus a aprova ou Deus aprova uma ação por ser boa?

Trata-se de um dilema. Um dilema é uma situação que supõe uma escolha problemática, em que apenas existem duas respostas possíveis, nenhuma das quais racionalmente satisfatória.

O presente dilema foi pela primeira vez apresentado no diálogo Eutífron, de Platão.

Ora, caso se considere que uma ação é boa porque Deus a aprova, equivale a pensar que o que é bom ou mau, correto ou errado não o é intrinsecamente. Equivale a pensar que o que é bom ou mau, correto ou incorreto é-o de um modo contingente, arbitrário, dado depender exclusivamente da vontade divina. Assim sendo, devolver uma carteira constitui uma ação correta apenas porque Deus assim pensa. Porém, poderia pensar de modo diverso.

Em contrapartida, caso se opte pela segunda alternativa e se considere que Deus aprova uma ação por ser boa em si mesma, então as coisas ou as ações que são boas ou más são-no independentemente do que Deus pense delas. Mas neste caso Deus não pode ser o fundamento da moralidade.

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 00:16

03
Nov 13

Trata-se de uma disciplina filosófica que estuda a distinção entre argumentos válidos e inválidos por meio da identificação das condições necessárias à operação que conduz da verdade de certas crenças à verdade de outras.

Aristóteles é considerado o seu fundador, tendo-a sistematizado nos vários livros do Organon, termo que significa instrumento.

A Lógica não deverá, por isso, ser compreendida no âmbito da filosofia como um fim em si mesmo, mas tão-somente como um meio.

Quem pretende deslocar-se a determinado local, elege um meio de transporte que considera mais adequado ao seu propósito.

Porém, a sua intenção é exterior e alheia a esse meio de transporte.

Do mesmo modo, aquele que procura refletir filosoficamente sobre “como construir uma sociedade justa”, sobre “a natureza do conhecimento” ou, ainda, se “o mal e o sofrimento no mundo são compatíveis com a existência de um Ser sumamente bom”, empreende uma viagem com recurso a "conceitos" e ao pensamento.

Ora, a lógica proporciona os meios que possibilitam a organização coerente desse pensamento, desenvolvendo competências argumentativas e demonstrativas a fim de o poder comunicar com rigor e inteligibilidade, oferecendo os recursos necessários para pensar a realidade e a poder conhecer, quer do ponto de vista filosófico, ou outro.

Para “conhecermos” a realidade, além de válidos os nossos argumentos ou raciocínios devem ser constituídos por proposições ou juízos verdadeiros. Quer dizer, devem ser argumentos sólidos.

Aquele que sobrepõe os seus interesses práticos à procura da verdade, procura ter razão a todo o custo, recorrendo a argumentos falaciosos, que parecem válidos sem o ser.

Além de ilógicos, os seus argumentos são "imorais", na medida em que ocultam intencionalmente a verdade.

Neste sentido, “o advogado quer ganhar a causa a qualquer preço; o juiz venal quer encobrir a verdade; o político oportunista quer o poder para fazer negócios; o aluno quer boas notas mesmo copiando; o profissional quer subir na carreira, mesmo que seja à custa dos outros; o fundamentalista religioso confunde fé com poder; o terrorista mata em nome da verdade” (Olá Consciência – Uma Viagem Pela Filosofia)

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 01:53

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