Cinismo e Mundo Atual. Que relação?
Na atualidade, ninguém poderá sentir-se lisonjeado com o epíteto de cínico, o que é perfeitamente compreensível.
Atribuir a alguém tal adjetivo, com o intuito de o caracterizar, significa atribuir-lhe a prática e/ou ditos imorais, impudicos ou mesmo escandalosos.
Como tal, um cínico é alguém pouco recomendável, dado tratar-se de um desavergonhado ou um devasso.
Curiosa é a evolução semântica do termo “cínico” e aquilo que foi representando ao longo dos tempos.
Na antiguidade clássica, ser cínico significava abraçar uma filosofia de vida.
Esta filosofia de vida caracterizava-se, sobretudo, pelo desprezo em relação às convenções, leis e normas sociais.
Para os cínicos, a liberdade só poderia alcançar-se através da auto-suficiência.
O verdadeiro cínico, nunca seria "escravo" das suas necessidades físicas e emotivas, nunca recearia a fome, o frio, a solidão, nem mesmo sentiria qualquer desejo de sexo, dinheiro, poder ou glória.
O ideal do cínico clássico é o “regresso à natureza”. Em consonância com esse ideal, o cínico dorme em qualquer lado como um mendigo ou mesmo como um “cão”, sob o pretexto de que toda a terra é sua.
Por isso, pode dizer-se que são os primeiros hippies e punks da história da humanidade.
Ser-se cínico era, em suma, uma opção de vida, uma recusa da "civilização".
Decorridos mais de vinte séculos desde os primeiros cínicos, pelas artérias das nossas cidades – supostamente “civilizadas” – vagueiam e deambulam, em quantidade crescente, mendigos e sem-abrigos.
Porém, entre estes últimos e os primeiros “cínicos”, há uma diferença substancial.
Ser “cínico” constituía uma opção de vida, uma manifestação contra os valores e as convenções da sociedade;
"ser" mendigo, hoje, não constitui uma opção nem uma filosofia de vida. É antes uma fatalidade, uma desventura a que são votados muitos cidadãos, em virtude de uma sociedade cada vez mais hipócrita, insensível e cínica.