Este pretende ser um "espaço" público de partilha de ideias, um espaço de comunicação...

29
Jun 09

O modo de pensar de Epicteto, filósofo do estoicismo a que se fez breve alusão no post anterior, traduz a convicção de que tudo na vida está pré-determinado. Tal convicção encontra na concepção física o seu fundamento. Ao conceber o mundo ou a natureza à imagem de um grande ser vivo, cujos órgãos são os diferentes seres, o estoicismo encara o homem como um mero elemento desse ser vivo que é o mundo não lhe restando, como tal, outra alternativa senão a submissão a um destino fatal e necessário. Por esta ordem de ideias, só há um caminho para a felicidade e imperturbabilidade: viver em conformidade com as leis inexoráveis da natureza.

É sabido que o determinismo encontra ao longo da história do pensamento vários defensores, o mesmo se podendo afirmar, diga-se, da tese do livre arbítrio.

Qualquer tese, determinismo ou livre arbítrio, pode ser fundamentada e defendida.

Mas há um argumento de peso contra o determinismo, nomeadamente o de Epicteto: o progresso e a evolução, nomeadamente ao nível dos valores, seria algo impensável e mesmo impraticável.  

Com o destino marcado pela lei Hindu, por exemplo, uma rapariga da casta intocável não pode (nem poderia nunca) pensar em fazer outra coisa senão trabalhar ao longo do rio Yamuna. Os membros desta casta de lavadores de roupa que tratam dos objectos "conspurcados" por sangue ou dejectos humanos nunca poderiam sonhar sequer em deixar de desempenhar tal papel social, pré-determinado, no caso concreto, por motivos de natureza religiosa

Por tal, somos levados a concluir pela rejeição do determinismo, tal como o entende Epicteto. 

Porém, significa isto que estamos condenados a ser livres?

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 23:59

25
Jun 09

Lembra-te que és personagem de um drama, de quem dispõe o Encenador. Se ele quer uma peça curta, curta será. Se a quer longa, longa há-de ser. Se quiser que desempenhes o papel de um mendigo, mesmo esse deverás desempenhar com dignidade. E o mesmo para um doido, um general ou um pobre homem. Apenas isso te compete: desempenhar com agrado o papel que te foi destinado. Escolhê-lo, isso cabe o outrem.

Epicteto

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 11:59

22
Jun 09

Por que razão devemos agir de acordo com princípios morais, ou seja, orientados por valores? Por que razão são eticamente reprováveis a mentira e a falsidade? Por que razão é o Homem um animal ético?

São questões deste género que conduziram Kant aos postulados da Razão Prática. Um desses postulados é o da existência de Deus, um pouco na linha daquilo que Dostoiévski, anos mais tarde, viria a afirmar: "se Deus não existisse, tudo seria permitido".

Pensa Kant: se o dever é absoluta e objectivamente certo, segue-se que as condições da sua possibilidade, também necessariamente o são. O imperativo categórico supõe verdades, sem as quais seria inconcebível, ou seja, supõe os postulados da razão prática, na terminologia de Kant.

O primeiro desses postulados é o da liberdade. Se devo, posso. Com efeito, sem liberdade não há obrigação. A liberdade humana é, pois, o primeiro postulado da razão prática.

Por outro lado, o ideal de perfeição que devemos querer, não se pode realizar nesta vida, o que supõe a imortalidade da alma - segundo postulado.

Por fim, concebemos uma relação necessária entre a moralidade e a felicidade. Ora, a natureza é incapaz de realizar plenamente esta união. Por isso, pensa Kant, tem de existir um ser superior à natureza, tão sábio que possa justamente avaliar o mérito do ser moral e que possa distribuir a felicidade de um modo exactamente proporcional à virtude. A existência de Deus é, pois, o terceiro postulado, uma vez que sem Ele a virtude não seria perfeitamente feliz.

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 17:08

19
Jun 09

Já aqui foi analisado o conceito de religião como forma de alienação, na perspectiva de L. Feuerbach. Nessa perspectiva,  pela religião o homem aliena-se, torna-se alheio a si próprio, na medida em que cria um Deus que não é mais do que a sua imagem idealizada, a sua essência projectada e exteriorizada. O homem adora, obedece e serve esse Deus e deixa de pertencer a si próprio, está alienado, pertence a outrem.
Marx aceita sem reservas a asserção de Feuerbach segundo a qual o homem inventou Deus à sua imagem. No entanto, não se contenta com a posição de Feuerbach. Para Marx, o homem inventou a religião porque a vida na terra é revoltante e miserável.
É neste contexto que surge o conceito de religião como “Ópio do Povo”, na medida em que as classes exploradoras se servem dela como analgésico para evitarem a revolta e consequente libertação das classes exploradas, paralisando-as e inebriando-as com a sedutora promessa da felicidade eterna num outro mundo e, nas classes exploradas, engendra a fé numa vida melhor além-túmulo.
Àquele que durante toda a sua vida trabalha e padece de necessidade, prega a religião a humildade e a resignação na vida terrena com a esperança da recompensa celestial. Àqueles que vivem do trabalho alheio, prega a religião a caridade na terra.
publicado por Carlos João da Cunha Silva às 23:50

17
Jun 09

Ainda, e mais uma vez, na senda de uma vida feliz e com prazer:

 

"Consideramos um grande bem a independência diante dos desejos, não porque é necessário ter somente pouco, mas porque, se não temos muito, sabemos contentar-nos com pouco; profundamente convictos de que goza da abundância com maior doçura quem menos dela necessita, e que tudo que a natureza requer é de fácil reconhecimento."

Epicuro

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 23:10

15
Jun 09

É uma das preocupações recorrentes na história da humanidade, a procura de uma vida feliz. Apesar de recorrente, parece claro que esta só se torna efectiva e possível, após a concretização de necessidades básicas, como bem refere A. Maslow na célebre pirâmide das motivações. Com efeito, como pode aspirar à felicidade o faminto ou o que vive à margem da sociedade, impelido para essa condição social e existencial por circunstâncias ou factores que, não raras vezes, o transcendem?

Dito isto, Epicuro, filósofo que viveu entre 341 e 270 antes da nossa era, conhecedor do sistema atomista de Demócrito que o inspira na concepção da sua teoria física, não fugiu à tendência dominante da sua época: apontar ao homem o modo de vida capaz de o libertar da angústia e de o encaminhar na busca da felicidade plena.

A este propósito, são deste autor as seguintes palavras, sobre a morte, extraídas de "Carta Sobre a Felicidade":

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 23:31

13
Jun 09

Terá sido Deus a criar o Homem à sua imagem e semelhança ou o inverso, O Homem a criar Deus?

Para Feuerbach, a razão pela qual os seres humanos se parecem com Deus não é por Deus nos ter criado à sua imagem mas por nós o termos criado à nossa.

Nesta perspectiva de Feuerbach, os seres humanos pegam nas capacidades que lhes pertencem, elevam-nas, em pensamento, a um nível infinito e inventam um ser exterior que encarna todas estas perfeições, como nos refere em A Essência do Cristianismo:

"a essência de Deus não é mais do que a essência do ser humano; ou, melhor dizendo, é a essência do homem objectivada e separada dos limites do homem individual, real e corpóreo. É a essência contemplada e venerada como um ser-outro, próprio e diferente do homem. Por isso, todas as determinações da divindade o são igualmente do ser humano".

Ver: Ludwig Feuerbach, A Interpretação da Religião

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 00:14

08
Jun 09

Quer para o panteísmo, quer para o materialismo, o real traduz-se numa única substância: monismo espiritualista e monismo materialista.

Se admitirmos, porém, a ideia de "criação a partir do nada" (criação ex-nihilo), característica do cristianismo, temos que admitir que o real compreende duas substâncias: Deus ou Espírito (Ser criador, transcendente e distinto da criatura) e Mundo ou Matéria. Estamos, assim, perante um dualismo, por oposição ao monismo. 

Admitida a criação do mundo por Deus, qual o sentido dessa criação? Ou Deus liberta inteiramente o mundo ou não o liberta. Se o liberta, é porque lhe dá uma lei de autogoverno e independência total; se o não liberta, é porque o mantém sujeito à sua superior vontade. No primeiro caso, estamos perante uma concepção da natureza de Deus denominada Deísmo; no segundo, perante o Teísmo, característico das grandes religiões monoteístas: islamismo, judaísmo e cristianismo.

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 21:29

07
Jun 09

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou !

 

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

 

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

 

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 00:00

06
Jun 09

Duas coisas povoam a mente com uma admiração e respeito sempre novos e crescentes...o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim (Kant)

 

O Panteísmo (Pan=o todo; Theos=Deus), enquanto concepção sobre a natureza de Deus e sistema filosófico, está intimamente relacionado com a questão da origem do Universo.

Superada a dúvida radical e admitida a existência do mundo, vemo-nos confrontados com a questão da sua origem.

Excluída a hipótese, alheia aos pensadores gregos, da "criação a partir do nada", resta a alternativa segundo a qual o mundo será Eterno, isto é, liberto do devir e do tempo sendo, por isso, intemporal.

Ora, se o mundo é eterno, qual a sua natureza? Material ou Espiritual?

Os defensores da primeira tese são os denominados materialistas, para quem o mundo é matéria que sempre existiu e nenhum ser criou, matéria que se transforma em obediência a leis da sua própria estrutura. A concepção materialista do mundo prescinde, assim, de qualquer entidade transcendente, sendo o ateísmo o seu corolário.

Para os defensores da tese segundo a qual o mundo é de natureza espiritual, no fundo, o mundo é emanação de Deus, é o próprio Deus manifestando-se. Eis o cerne do  Panteísmo.  

publicado por Carlos João da Cunha Silva às 12:26

Junho 2009
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12

14
16
18
20

21
23
24
26
27

28
30


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

subscrever feeds
Filosofia
mais sobre mim
pesquisar
 
blogs SAPO