Péricles na ágora ateniense, com a Acrópole ao fundo
“A democracia baseia-se no pressuposto de que não há homens que nascem para mandar nem existem outros que nascem para obedecer; mas que todos nascemos com a capacidade para pensar e, portanto, com o direito político de intervir na gestão da comunidade da qual fazemos parte. Mas, para que os cidadãos possam ser politicamente iguais, é imprescindível, que em contrapartida nem todas as suas opiniões o sejam: deve haver algum meio de hierarquizar as ideias na sociedade não hierárquica, potenciando as mais adequadas e afastando as erróneas ou prejudiciais. Numa palavra, procurando a verdade. É exactamente esta a missão da razão, cujo uso todos partilhamos (antigamente as verdades sociais eram estabelecidas pelos deuses, pela tradição, pelos soberanos absolutos, etc.). Na sociedade democrática, as opiniões de cada um não são fortalezas ou castelos onde se encerram como forma de auto-afirmação pessoal: «ter» uma opinião não é ter uma propriedade que ninguém tem direito a tirar-nos. Oferecemos a nossa opinião aos outros para que a debatam e, por seu lado, a aceitem ou a refutem e não apenas para que saibam «onde estamos e quem somos». E desde logo nem todas as opiniões são igualmente válidas: valem mais as que tenham melhores argumentos a seu favor; as que melhor resistem à prova de fogo do debate, com as objecções que lhes são colocadas.
Se não queremos que sejam os deuses ou certos homens privilegiados que usurpem a autoridade social (quer dizer; que sejam quem decide qual é a verdade que convém à comunidade) não resta outra alternativa que submetermo-nos à razão como via para a verdade. Mas a razão não está situada, como um árbitro semidivino, acima de nós para conciliar as nossas disputas, mas funciona dentro de nós e entre nós."
Fernando Savater; As Perguntas da Vida.