Saberemos nós hoje, melhor do que ontem, analisar e avaliar o que nos chega pelos media?
"(...) Quando um político sabe que está a falar para a TV, passa a mover-se num campo discursivo virtual em que a realidade é meramente um pretexto e o objectivo comunicacional a persuasão do espectador. A eficácia da persuasão mede-se na sondagem de popularidade do mês seguinte, afanosamente ecoada pela comunicação social. A verdade e a mentira não importam para aqui - a solidez de uma ficção não está nelas, mas na fluência e na estética da narrativa. É natural, portanto, que esta estrutura de apresentação dos factos deixe o espectador um pouco desarmado, a meio caminho entre o que é e o que não é, hesitante entre a credulidade e a desconfiança. Ouvir os políticos na TV tornou-se um exercício de tal modo ambíguo que precisamos de tradutores - de preferência de outros políticos, que são os mais aptos para conhecer as manhas que se encobrem pelo meio dos discursos explícitos. (...) Ortopedizam-nos a nossa visão do real através da insistência persuasiva, utilizando como arma a versatilidade discursiva.
A persuasão, quando é levada ao limite, roça a mentira. A mentira é o lugar que resulta da exploração sistemática da persuasão. (...) E é por isso que hoje a mentira, em política, é infinita. E é também por isso que é impune - porque se confunde com a persuasão e esta com a habilidade discursiva. (...)
E é nisto que consiste a sua principal mentira: serve-se das pessoas concretas para legitimar jogos abstractos, traduzidos em última análise na retórica de palanque onde se esgrimem poderes afastados de nós."
Luís Fernandes; "A meia verdade da mentira", in Público