Diz-se que a Filosofia é «o lugar crítico da razão», uma expressão algo pomposa. Mas o que quer isto dizer? Quer dizer que em Filosofia, (...) se exige aos estudantes que tomem uma posição crítica - e não apenas que compreendam o que dizem os especialistas, como é comum ao estudar Matemática ou História.
Imaginemos que vamos ao médico porque temos um problema complicado. Tão complicado que exige um estudo muito atento da parte do médico - e talvez diferentes médicos tenham diferentes opiniões sobre o nosso problema. Há dois tipos de reacções do médico que não desejamos. Não queremos que o médico se limite a dizer o que vem nas enciclopédias e livros de medicina; isso poderíamos nós fazer calmamente em casa. Queremos que o médico tome uma posição pessoal: que faça um diagnóstico. Mas também não queremos que tal diagnóstico seja feito na mais completa ignorância da ciência médica e sem qualquer reflexão por parte do médico: para ter palpites desses não iríamos ao médico, pois até o padeiro nos pode dar papites desse género. (...) Queremos uma opinião pessoal, certamente, mas uma opinião profissional, ou seja, uma opinião baseada 1) num conhecimento sólido de medicina e 2) numa reflexão sistemática do médico.
Alguns estudantes ficam surpreendidos quando descobrem que em Filosofia têm de dar a sua opinião, não se tratando apenas de compreender e explicar o que pensam os filósofos. Só que os estudantes têm muitas vezes uma ideia errada do tipo de opinião que lhes é exigida. (...) No nosso caso, uma opinião é profissional quando se baseia num conhecimento amplo dos problemas, teorias e argumentos da Filosofia relevantes para o tema em causa, e quando resulta de uma reflexão sistemática. Isto não sigifica que não se possa concordar com um dado filósofo em relação a certo aspecto. Significa apenas que, se concordamos com ele, temos de dar razões para isso. E essas razões não podem consistir na mera repetição das razões do filósofo; ao invés, têm de resultar de uma opinião reflectida e têm de ser as nossas razões.
in Textos e Problemas de Filosofia, organização de Aires Almeida e Desidério Murcho