“Frankenstein”, enquanto criatura, nasce de um desafio a Deus, como um projeto amaldiçoado de um genial cientista que ultrapassa os limites impostos pela condição humana. O que acontece, porém, quando o Homem viola as leis de Deus ou da Natureza e da Ciência? O que sobrevém a “Prometeu” quando ousa desafiar os deuses e lhes subtrai o fogo divino para o confiar aos humanos? Haverá limites para o conhecimento e para o progresso científico e tecnológico?
Assim como o cientista criador e “Frankenstein” – a criatura que nasceu do desafio a Deus e às leis da Natureza – poderão vir a confrontar-se, também a nossa cultura científico-tecnológica comporta riscos que não devem ser negligenciados. Ciência e técnica sim, mas com consciência, subordinadas à reflexão ética.
No seu laboratório privado, o genial cientista tem as ferramentas de que necessita para concretizar o seu projeto: diversos membros e dorsos humanos roubados de uma morgue. Peça por peça, começa a sua experiência. Construído como um boneco e provido de vida por uma poderosa descarga elétrica, a sua magnífica criação torna-se assustadoramente real.
Ainda mais assustado que o seu criador humano, o ser desaparece na noite, desamparado, repugnante e vulnerável. Pode dizer-se que a criatura foi lançada no mundo, num mundo que lhe é de todo estranho. O exterior é-lhe opaco e estranho. Sente-se, por isso, como um estrangeiro. Trata-se de mera ficção. Todavia, constitui uma experiência mental capaz de ilustrar um conceito filosófico central: O conceito de absurdo.
Segundo muitos filósofos, o absurdo é a característica definidora da existência humana. Tal é o caso dos existencialistas franceses, Albert Camus e Jean Paul Sartre.Tal como em “Frankenstein”, no homem o ab-surdo nasce do confronto entre o seu apelo, o seu grito e o silêncio irracional do mundo. Este silêncio significa, segundo Camus, que a existência humana não tem sentido. O absurdo expressa a relação do eu com o mundo, sendo experienciado como um divórcio entre o homem e a sua vida. O ser humano deseja a unidade, o absoluto, a salvação, a tranquilidade espiritual e depara-se apenas com a pluralidade, a contingência, o fracasso, o sofrimento e a finitude.
Camus integra-se na corrente ateísta do existencialismo. Como tal, nega a existência de Deus. Neste sentido, a existência humana carece de sentido, dada a inutilidade do sofrimento, o caráter hostil da natureza e a inevitabilidade da morte.
Em suma: o Homem e o monstro, “Frankenstein”, possuem a mesma condição existencial. Sentem-se estrangeiros, exilados em corpos e em mundos que lhe são estranhos e sem sentido. Porém, confrontado com o absurdo da sua existência, tal não significa que o Homem deva optar pelo suicídio. Pelo contrário: deve preferir viver com lucidez o instante a fim de conquistar mais liberdade.
Não possuindo nenhuma identidade a priori, diria Sartre, o Homem ex-siste primeiro, surge no mundo e define-se posteriormente. Numa frase: a existência precede a essência.
Não havendo sinais no mundo, nem Deus nem nenhuma moral que possa indicar o que se deve fazer, o Homem é um agente criador de si mesmo, pelas decisões que toma e pelos atos que põe em prática, estando, por isso, condenado a ser livre.